Revista Zimbro
by Amigos da Serra da Estrela
 
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2024-01-03

Rhizocarpon geographicum, um líquen na serra da Estrela contemporâneo do final do último período glaciário?

Rhizocarpon geographicum, um líquen na serra da Estrela contemporâneo do final do último período glaciário?

 

Palavras chave

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Na serra da estrela, nos sectores de altitude mais elevada, existe uma grande diversidade de líquenes, encontrando-se inventariadas mais de 250 espécies, a maioria das quais se desenvolvem em habitats rochosos. A es- pécie Rhizocarpon geographicum, líquen crustáceo, de cor amarela ou verde, típico de regiões subárcticas ou alpinas, é na serra muito abundante, e confere aos afloramen- tos graníticos das zonas de maior altitude uma tonalidade esverdeada característica.

Bloco errático e líquen milenar

Bloco errático e líquen milenar

Os líquenes são organismos simbióticos, isto é, que resultam da associação entre um fungo e uma alga. A alga tem como principal função realizar a fotossíntese, produzindo o alimento necessário à sobrevivência de ambos, enquanto o fungo fornece água, sais minerais, suporte e protecção. Os líquenes apresentam a capacidade de se desenvolverem em locais de difícil colonização por seres vivos, possuem limites de tolerância às oscilações climáticas e ambientais superiores a qualquer outro organismo vegetal e encontram-se numa grande diversidade de ambientes. Distribuem-se desde o nível do mar até às montanhas mais elevadas, desde
os desertos tropicais até às regiões polares, sobrevivendo num gradiente extremo de temperaturas e humidade, e colonizando uma grande variedade de substratos, como cortiça, lenhina, solo e, claro, rochas.

No limite poente do planalto dos Poios Brancos, sobre um bloco errático, numa moreia do glaciar do rio Zêzere, a cerca de 1550 metros de altitude, encontra-se um líquen da espécie Rhizocarpon geographicum de grandes dimensões, descoberto pelo geólogo alemão Schroeder-Lanz, em meados dos anos 80, que este autor considerou ter uma idade notável. Para o cálculo da idade do exemplar, com um diâmetro de 24-25 cm e 3-4mm de altura, Schroeder-Lanz aplicou a taxa de crescimento de 3.1mm em 100 anos, aceite para ambientes subárcticos e alpinos a nível global, concluindo que este indivíduo teria cerca de 7700-8000 anos, e seria, muito provavelmente, um dos organismos vivos mais velhos de Portugal. No último pico
de glaciação, há aproximadamente 23 mil anos, este local estaria coberto por gelo. Considerando que o último período glaciar na serra da Estrela terá terminado há cerca de 10 mil anos, pode colocar-se a questão se o líquen será contemporâneo do final deste período.

A datação da exposição de superfícies rochosas recorrendo ao estudo do crescimento dos líquenes (datação liquenométrica), tem sido utilizada para determinar a data aproximada de retracção de glaciares e do desaparecimento de bancos de neve perenes. A técnica baseia-se na premissa de que se for conhecido o tempo que demorou a colonização da rocha pelo líquen, e for possível medir a sua taxa de crescimento, então uma data mínima de ocupação da rocha (data em que a rocha ficou exposta) pode ser obtida medindo o diâmetro do maior líquen de um local. O método é especialmente útil em ambientes árcticos – alpinos onde os líquenes crescem mais lentamente e apresentam maior longevidade, podendo atingir em casos extremos idades superiores a 10 mil anos.

Malhada do Cabo da Estercada

Malhada do Cabo da Estercada

A determinação exacta da idade do exemplar em causa apresenta vários problemas, sendo difícil confirmar a idade apontada por Schroeder-Lanz, sobretudo se se considerar o possível intervalo de taxas de crescimento para a espécie e sabendo que o local onde o líquen cresce, nos últimos milénios, esteve exposto a condições climáticas subalpinas.

Salienta-se ainda que a determinação da idade do líquen pode ser condicionada por múltiplos outros factores, que é necessário ter em conta, tais como: intervalo de tempo entre a exposição da rocha e a sua colonização; influência de factores ambientais na taxa
de crescimento que variam com a região e ao longo do tempo, dependência da taxa de crescimento com a textura do substrato e a sua composição, e a variação das condições climáticas no local. Em relação a questões intrínsecas à aplicação da técnica, pode apontar-se a falta de reprodutibilidade do design de amostragem, e a adequabilidade de utilizar o diâmetro do talo do indivíduo em estudos para indicação da idade.

No entanto, apesar destes problemas, a liquenometria em combinação com outros métodos tem-se revelado como uma ferramenta extremamente útil na datação da idade de retracção de gelos em ambientes glaciares. O facto de os valores de taxas de crescimento para ambientes subalpinos serem relativamente baixos, e tendo em conta que o local esteve coberto de gelo, o indivíduo de Rhizocarpon geographicum encontrado pode ser de facto um dos seres vivos mais antigos em Portugal. Porém, a confirmação desta hipótese só poderá ser feita através de um estudo de liquenométrico mais apurado e em complemento com outros métodos de datação.

Rhizocarpon geographicum

Rhizocarpon geographicum

 

Bibliografia

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