Revista Zimbro
by Amigos da Serra da Estrela
 

2024-05-06

Muitos dos melhores cogumelos do mundo nascem na Estrela

Muitos dos melhores cogumelos do mundo nascem na Estrela

 

Palavras chave

cogumelos  fungos  
 

Poucos são os integrantes da lista dos melhores cogumelos do mundo que não aparecem na Serra da Estrela numa ou noutra época do ano.

À excessão da Trufa Negra, geralmente o fungo mais apreciado e melhor pago pela alta gastronomia internacional, podemos cruzar-nos com Boletos, Cantarelos, Craterellus, Trombetas, Sparassis e até Morchellas na Serra, alguns marcando presença assídua e significativa nas suas paisagens.

No entanto, raros são aqueles que conhecem o valor culinário destes cogumelos.

Pior, muitos são os que prejudicam gravemente a sobrevivência e a segurança alimentar destes fungos.

É exemplo marcante disso a apanha absolutamente selvagem e desregrada daqueles que por aqui são conhecidos como Míscaros (correspondendo às espécies Tricholoma equestre e Tricholoma portentosum) e que prejudica gravemente a saúde dos micélios (organismo produtor dos cogumelos) pondo em causa não só a proliferação dos fungos mas também a saúde dos próprios ecosistemas pela dependência que muitas árvores, plantas e insectos têm destes organismos que não se inserem nem no reino das plantas nem dos animais.

Mais preocupante para a saúde pública, é o despejo de entulho e lixo nas florestas que constitui um problema cuja dimensão e impacto são ubíquos no nosso país, em despeito da pouca atenção que este fenómeno tem tido na nossa sociedade – os cogumelos, muito mais do que as plantas, absorvem e concentram vários elementos nocivos incluindo metais pesados, toxinas e radio-actividade.

Significa isto que a rara Morchella visível na imagem seguinte, encontrada na Serra da Estrela, foi inteiramente desperdiçada do ponto de vista gastronómico pois o lixo presente no chão terá provavelmente contaminado o cogumelo com elementos químicos extremamente perigosos para a saúde.

Façamos portanto 1 minuto de silêncio por este cogumelo (provavelmente o 2º melhor cogumelo do mundo, geralmente apenas batido pela Trufa Negra em termos de preço) e 1 minuto de aplauso para os indivíduos que vieram despejar o seu lixo e entulho no meio duma floresta em vez de o entregar no local apropriado e obrigatório por lei!

E embora falemos aqui de cogumelos, não podemos deixar de referir a contaminação dos cursos de água mas também da água subterrânea por estes desperdícios colocando a saúde de todos em perigo.

A maior parte do Iceberg está abaixo da superfície

Para além do valor gastronómico, os fungos têm papeis determinantes nos ecosistemas da Estrela e de todo o mundo terrestre natural.
Na verdade, o cogumelo que recolhemos para consumo trata-se apenas de uma frutificação do Micélio (parte essencial do fungo) que vive sob o solo ou dentro da matéria orgânica e pode desempenhar 3 funções essenciais (dependendo da espécie): micorrízica, sapróbia e parasítica.
Os fungos micorrízicos, dos quais fazem parte os famosos Míscaros (Tricholoma), Boletos (Boletus) e Cantarelos (Cantharellus) entre outros, associam-se às raízes das árvores e das plantas criando com as mesmas uma relação de simbiose.

Geralmente os micélios dão maior superfície às raízes do hóspede, fornecem-lhe água e minerais e poderão mesmo permitir às árvores e plantas comunicar e trocar recursos entre elas.

Nesse sentido, alguns estudos micológicos de hoje mostram os fungos como uma espécie de internet natural da floresta, essencial à sua saúde e à sua prosperidade.

Por outro lado, os fungos sapróbios têm a função de decompor matéria orgânica morta permitindo à natureza uma ecologia circular – a matéria em desuso é reciclada e disponibilizada aos insectos e plantas como alimento.

Assim, os organismos que perecem na nossa Serra são reciclados pelos fungos tornando o solo fértil e permitindo a existência de ecossistemas cada vez mais complexos.

Vários tipos de insectos se alimentam de fungos e usam-nos para a sua reprodução, o que constitui um contributo notável nos ecosistemas mas largamente desconhecido.
Curiosamente, numa serra severamente afectada pelos incêndios, o desconhecimento de cogumelos pirófilos que vêm decompor a matéria morta depois dos incêndios é praticamente total!

Na imagem seguinte podemos ver uns discretos mas belos exemplares de Faerberia carbonaria, que como o nome indica tem um gosto especial por fazer do carvão a sua refeição num solo altamente devastado por um incêndio na Serra da Estrela.

Temos portanto muito a agradecer aos cogumelos pelo papel de recuperação de solos queimados.

Finalmente temos os fungos parasitas que não só infectam árvores e plantas como também animais.

No que toca a árvores, estas espécies podem matar uma árvore adulta ou viver muitos anos com o seu hóspede não lhe causando um prejuízo perigoso.

São exemplos disto na Estrela o Cogumelo do Choupo (Cyclocybe cylindracea) e o Sparassis crispa que apresentam um valor culinário extremamente interessante e apreciado nas altas cozinhas de França e Itália mas que por cá parece ser ignorado.
Muitos destes mantém-se vivos depois da morte do seu hóspede iniciando a reciclagem da sua matéria.

Um recurso essencial para os ecossistemas mas gravemente ameaçado na Serra da Estrela

A ameaça mais óbvia provém dos incêndios e das consequências mais evidentes é o declínio de espécies associadas aos pinhos, especialmente sensíveis aos incêndios. Após um fogo em Pinhal, torna-se praticamente impossível aí encontrar Míscaros ou Sanchas (Lactarius deliciosus) durante vários anos ou décadas, espécies que fazem mesmo parte da gastronomia e economia locais.

No caso das florestas mistas, geralmente os incêndios provocam a morte dos pinhos e uma erosão da paisagem que pode ir de ligeira a grave, embora as espécies autóctones (Carvalhos, Medronheiros, Azinheiras, entre outras) sejam resilientes e voltem a rebentar mesmo quando ardem inteiramente.
Neste caso, assistimos também a um declínio quase total de todos os cogumelos habituais deste tipo de bosque durante vários anos devido à morte dos pinhos e à erosão do solo.

Finalmente quando um incêndio queima mata de folhosas, o declínio dos cogumelos é geralmente razoável ou fraco.
As folhosas não só sobrevivem aos incêndios ao manterem-se vivas debaixo do solo, como criam um eco-sistema pirófugo – as suas folhas guardam mais humidade em comparação às agulhas das coníferas e ao caírem criam ainda uma manta orgânica no solo que permite a retenção da água e atrasa a propagação do fogo ao contrário da caruma que a favorece.

Graças a essa manta, a erosão do solo é significativamente menor e os micélios sobrevivem ao fogo.
Também o facto das folhosas sobreviverem às chamas permite que os cogumelos continuem a sua simbiose com as mesmas.
É de notar que muitos dos cogumelos de maior valor gastronómico se encontra associada às folhosas – Boletus, Cantarelos, Trombetas entre outros.

Na imagem seguinte vemos exemplos de Boletus aereus, um dos melhores comestíveis do mundo, a nascer em 2023 numa mata de folhosas que ardera no ano anterior no grande incêndio da Serra da Estrela de 2022.

Um outro grave problema advém da plantação de espécies invasoras, sobretudo de Mimosas e Eucaliptos – tratando-se de espécies provenientes da Austrália, estas árvores não têm a mesma relação com os cogumelos locais assim como com os ecosistemas autóctones.
Torna-se portanto impossível encontrar Míscaros onde os Eucaliptos dominam, embora esta árvore consiga associar-se aos Cantarelos e Pés-de-carneiro (Hydnum repdandum).

No caso da Mimosa a devastação micológica é praticamente total, não havendo nenhum cogumelo de valor gastronómico ou económico que tolere esta espécie.

Como conservar então um recurso com tanto valor para os ecossistemas e para o homem?

Fazer uma apanha razoável de cogumelos, deixando no local os que já não estejam nas melhores condições.
Não danificar bem revirar o solo e a manta orgânica aquando da apanha dos cogumelos.
Usar sempre recipientes de vime ou pelo menos perfurados por forma a permitir que estes espalhem os seus esporos e se reproduzam.
Nunca deitando na mata qualquer tipo de lixo não orgânico, o que nem deveria ter de ser referido mas claramente é urgente enfatizar.
Plantar florestas mistas de espécies autóctones ou naturalizadas com predominância clara de folhosas (Carvalhos, Azinheiras, Sobreiros, Castanheiros, Bétulas, Medronheiros).

Combater as plantações de espécies invasoras como a Mimosa e o Eucalipto.

 
 
 

 

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3 Comentários


  1. Ana Amaral diz:

    Boas! tenho uma dúvida: o corte raso de hectares e hectares de pinhal são igualmente prejudiciais para os cogumelos ou não têm as mesmas consequências que os incêndios? bem-haja

    • Direcção ASE diz:

      Brevemente responderemos à sua questão.

    • Direção ASE diz:

      Obrigado pelo seu comentário.
      Como os fungos vivem numa estreita relação com as árvores, através dos filamentos
      (micélio) e as raízes das árvores, numa simbiose perfeita em que os fungos, através
      dos micélios levam nutrientes e água, às raízes das árvores, estas retribuem
      fornecendo energia. Nesse sentido parece-nos que os cortes prejudicam esta relação.
      O ideal será que se façam cortes culturais, evitando assim os cortes rasos. Salvo se o
      corte raso for motivado por razões de ordem ecológica, procurando alternativas às
      monoculturas.

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