Revista Zimbro
by Amigos da Serra da Estrela
 

2024-05-05

Posição da ASE sobre a proposta do plano de co-gestão 2024-2026, Parque Natural da Serra da Estrela

Posição da ASE sobre a proposta do plano de co-gestão 2024-2026, Parque Natural da Serra da Estrela

 

Palavras chave

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Consulta Pública da Proposta de Co-gestão – PNSE

Apesar de já termos tido a oportunidade de publicamente manifestar o nosso desacordo com o novo processo de Co-gestão do Parque Natural da Serra da Estrela, não quisemos deixar de o confirmar, agora na Consulta Pública da Proposta de Co-gestão – PNSE, 2024-2026, enumerando uma série de apreensões que não quisemos deixar de fazer e das quais damos aqui conhecimento.

A Associação Cultural Amigos da Serra da Estrela – ASE vem por este meio participar no processo de consulta pública relativa à Proposta do Plano de Co-gestão 2024-2026, Parque Natural da Serra da Estrela.

Para que não subsistam quaisquer dúvidas, começamos por reafirmar o nosso total desacordo com o modelo de Co-gestão, posição outrora adoptada pela Associação e expressa na presença do ex-Ministro do Ambiente e da Ação Climática, José Duarte Piteira Rica Silvestre Cordeiro.

Desde a criação do PNSE pelo Estado, em 1976, e aceite pelos seis Municípios que o integram, nunca se deu conta de alguma vez, a título individual ou colectivo, ter sido reclamado pelas autarquias a sua inclusão no Órgão de Gestão desta Área Protegida. A ASE integrou o Conselho Geral do PNSE, conjuntamente com os Municípios e demais instituições, nunca tendo presenciado qualquer manifestação de preocupação por parte dos respresentantes autárquicos, pelo estado de conservação do Parque Natural da Serra da Estrela.

De facto, sempre existiram intervenções sobre os constrangimentos que o POPNSE causava aos Municípios, nomeadamente, no campo da expansão urbana, que se extinguiu com os PDMs – instrumentos de gestão autárquica – através de arrepiantes incumprimentos que não podem ser assacados ao PNSE, como a proposta que este Plano de Co-gestão deixa entender.

Com a entrada da Co-gestão no novo modelo de gestão das Áreas Protegidas, entretanto revogada por se ter concluído uma ausência de resultados que lhe haviam dado suporte, os Municípios que nunca tinham reclamado tal interesse também não rejeitaram esta nova realidade, ficando por apurar se a inclusão dos mesmos foi consequência de obediência, interesse, ou nenhuma delas.

Tendo em linha de conta os pressupostos atrás enunciados, acentuam-se-nos algumas inquietações, desde logo, ao constatar que o Plano de Co-gestão propõe a Associação Geopark Estrela-AGE como gestora da Co-gestão, representando, assim, os Municípios. Tal premissa aponta para que os seis Municípios envolvidos não assumam directamente a gestão, integrando um modelo que nunca reclamaram. Assim, delegam essa responsabilidade a uma instituição, criada por nove Municípios, com fins e missão específicos e encargos repartidos, cujos Estatutos não prevêem esta gestão. Neste caso, estaremos, portanto, perante um caso de incompatibilidade no que aos referidos estatutos concerne.

Mais se acrescenta, que não se compreende que se possa indicar para assumir tais funções uma entidade que não publica atas referentes a 2020, 2021, 2022 na sua página oficial. Note-se, ainda, que através de uma breve leitura de algumas atas, denunciam-se problemas financeiros da ordem do incumprimento, envolvendo membros fundadores.

De facto, julgamos que poucos sabem o que realmente significa este modelo de Co-gestão. Observando os resultados do questionário realizado no contexto do presente procedimento, vemos que 20% das entidades que mais deveriam estar informadas sobre o processo (Stakeholders), não souberam responder à pergunta ”Expetativa de impacte do modelo de cogestão na atuação da área protegida”.

No caso do plano proposto, observa-se apenas uma lista de actividades prevista para os próximos 4 anos, que assenta, essencialmente, na promoção turística, no financiamento de organismos públicos já existentes, sem se perceber uma estratégia de base que vise a protecção dos valores endógenos da região, razão pela qual a Área Protegida foi inicialmente criada e que, ainda hoje, é a causa da atractividade desta região. Tal lista de actividades foi concebida sem que se perceba o processo subjacente (e respectiva origem), e em que entidades de gestão pública.

Face ao acima exposto, a ASE não é favorável ao Modelo de Co-gestão da AP do PNSE e, em particular, nos moldes apresentados, tendo em conta que se tem como ponto de partida uma análise de risco incompleta, nalguns casos, incorrecta na identificação da origem das ameaças e debilidades, e por não garantir a salvaguarda dos objectivos que levaram à implementação dos diversos estatutos de protecção.

A disponibilidade financeira actual foi gerada pelo grande incêndio de 2022 e deveria ser dirigida às principais funções de preservação e recuperação vertidas nos estatutos do ICNF. Consideramos, por isso, que a proposta de plano omite a principal função de uma Área Protegida: a protecção e recuperação dos seus valores e características naturais, que são a razão de ser da atribuição do referido estatuto.

A referida omissão verifica-se, desde logo, nas linhas orientadoras constantes na capa da proposta: “EDUCAR, SENSIBILIZAR, VALORIZAR, PROMOVER, COMUNICAR”, faltando as duas fundamentais numa região sujeita a tantas ameaças e acabada de sair de um incêndio que destruiu grande parte do seu território. Proteger e Recuperar, as duas palavras que deveriam ser acrescentadas, pois permitem completar a visão que recai sob a Serra da Estrela, em particular, face à realidade actual. Assim, na definição dos compromissos estratégicos (Pág. 15), não poderia faltar o primeiro, do seguinte teor:

  1. i) Proteger o território, defender e restaurar as suas características naturais.

Qualquer plano de gestão (não necessariamente Co-gestão) para ser mais exitoso que os verificados nos últimos 20 anos, deverá identificar melhor as ameaças (tanto as já concretizadas, como as pendentes ou potenciais) e definir claramente o objectivo de as combater. Entre as principais ameaças que deverão ser identificadas e combatidas, salientam-se as seguintes:

– Fragmentação e expansão da artificialização do território;

– Proliferação de espécies exóticas e invasoras (nomeadamente, eucalipto e acácia, e também a área de pinheiro bravo em solos e usos onde já não se justificam) e níveis muito reduzidos de floresta autóctone, cujo papel vai muito para além da simples preservação e que não tem sido devidamente valorizado, em especial, na diminuição do risco de incêndios de rápida expansão*;

– Vulnerabilidade aos incêndios, em grande parte decorrente da situação referida no ponto anterior;

– Perda de actividades tradicionais com grande impacto na gestão da paisagem e na economia local.

A artificialização e fragmentação do território destrói, gradualmente, as suas características naturais, até chegar a um ponto em que já não estaremos perante um espaço natural com viabilidade para albergar as características que o fazem atractivo e valorizado. Por outro lado, é o maior obstáculo à manutenção da bio-diversidade e à recuperação das espécies extintas nos últimos anos ou décadas, em particular, algumas das de maior porte. Aliás, no que diz respeito ao lobo, a referência à sua ausência desde 1986, na pág. 31, é atribuída apenas à “perseguição pelo homem e à falta de presas selvagens para o mesmo”, omitindo totalmente a perda, fragmentação e artificialização do habitat (determinante na referida “falta de presas selvagens”), com a consequente infiltração humana excessiva, que são as principais causas da extinção da espécie na zona do Parque Natural.

Passamos a detalhar a importância de combater as ameaças referidas nos pontos anteriores:

Do ponto de vista económico e turístico, a artificialização e fragmentação têm um impacto desastroso, pois afastam o tipo de turismo que promove o maior retorno económico – praticantes de caminhada em montanha ou na natureza, birdwatching, etc., atraindo apenas o turismo “rodoviário” ou “de passagem”, que, além de criar uma excessiva pressão sobre o sistema, especialmente sobre as áreas acessíveis por estrada, oferece pouco ou nenhum retorno económico.

Os exemplos mais graves de artificialização e fragmentação do território são:

– Excesso de construção de estradas e asfaltagem de caminhos no Parque que eles próprios são os principais focos de pressão localizada de locais sensíveis (e.g. Torre, Bosque de São Lourenço);

– Construção de estruturas de visitação demasiado pesadas, como passadiços e miradouros, que diminuem, ou anulam, a paisagem natural, promovendo os mesmos, em detrimento do espaço natural onde estão inseridos;

– Construção de torres para exploração de energia eólica (já existentes e potenciais) e/ ou parques fotovoltaicos (potenciais), que, além da descaracterização da paisagem, têm efeitos nocivos sobre a bio-diversidade;

– Excessiva artificialização dos rios e respectivos acessos para construção de praias fluviais;

Nenhuma das ameaças acima referidas consta no plano como problema a ser devidamente combatido, adensando a nossa preocupação como modelo proposto. Pelo contrário, os passadiços e miradouros estão expressamente previstos como “Indicadores de monitorização da execução e do desempenho da Co-gestão” (pág. 128).

Os passadiços, que se tornaram uma moda, devem restringir-se aos locais onde não há outra alternativa para assegurar a passagem (e.g. a travessia de uma linha de água), devendo as infra-estruturas de visitação ser asseguradas pela recuperação e manutenção dos antigos caminhos e veredas, e, nos poucos casos em que estes não existem, abertura dos mesmos, sem necessidade de criar estruturas pesadas, e muito caras, com um impacto brutal na paisagem e totalmente vulneráveis a incêndios.

Considerando a exigência económica subjacente à construção de estruturas como os passadiços, a sua deterioração vem implicar despesas superiores, em parte, pela sua necessidade emergente de manutenção. Posto isto, apresentamos as nossas reservas no que diz respeito à capacidade das autarquias gerirem os recursos de manutenção dos passadiços, cujo financiamento inicial para os construir foi facilitado por fundos comunitários.

Não partimos apenas de um ponto de vista teórico, pois desde 1995 recuperámos e construímos muitos quilómetros de veredas nos concelhos de Manteigas e Covilhã, que permitem a visitação, com mínimo impacto ecológico e paisagístico, e sem os custos dos passadiços. Aliás, as referidas veredas são infra-estruturas resistentes aos fogos, como se pôde constatar com o incêndio de 2022.

Há também outros bons exemplos de infra-estruturas de visitação minimamente artificializada, como a Rota do Rio Seia, no concelho de Seia (ao contrário do que aconteceu, por exemplo, no concelho de Oliveira do Hospital onde, pior que passadiços de madeira, foi construída uma enorme estrutura de ferro e betão), fora do Parque Natural, mas contígua ao mesmo, na qual, dos dezasseis quilómetros do percurso, apenas 800m são passadiços (poderiam ser menos), evitando, assim, a excessiva artificialização da paisagem.

Em relação à ameaça de expansão da rede viária, não podemos deixar de notar a nossa preocupação com a contradição existente em várias passagens do documento, entre a promoção da melhoria das acessibilidades, sobretudo, se se tratar de acessibilidades rodoviárias, e o condicionamento dos acessos (e.g. início da pág. 56), bem como as várias passagens que apontam – e bem, do nosso ponto de vista – no sentido de restringir o recurso ao transporte em automóvel individual.

Aliás, a excessiva oferta de acesso rodoviário, também promove o que no quadro SWOT da página 53 é designado como “cultura de excursionismo”, identificado como a ameaça que efectivamente representa, o que gera, mais uma vez, dúvidas quanto aos objectivos específicos e estratégia do modelo de gestão apresentado no presente documento.

Por último, em relação ao risco de perda das actividades tradicionais, a ausência de uma estratégia multi-factorial que promova um tecido económico da área do PNSE diversificado e, por isso, mais resistente às incertezas da procura turística e com maior capacidade de atrair e fixar população, mostra-nos que o actual plano esquece a coluna vertebral deste território, sem a qual o êxito e a justificação do uso do dinheiro público não está, quanto a nós, justificado.

Esquecer o papel destas actividades económicas na manutenção do mosaico de paisagens únicas e diferenciadoras, bem como para a manutenção de biótopos raros que permitem albergar espécies endémicas, tudo isto contribuindo para um ordenamento do território mais resistente à ocorrência de incêndios de grande dimensão e, por consequência, mais seguro para todos os que habitam e visitam a Área Protegida do PNSE, é passar totalmente ao lado dos grandes incêndios que ocorreram não só em 2022, como o impacto que os mesmos tiveram na preservação ambiental e segurança de quem vive e visita nesta região.

Tendo em consideração os aspectos supramencionados, defendemos a anulação de todo o processo de consulta pública, em detrimento do respectivo desenvolvimento do mesmo, propondo a anulação dos pressupostos da Co-gestão, dado que as iniciativas nele constantes poderiam ser as de qualquer município cujo território não estivesse incluído numa Área Protegida.

 

*Embora haja uma referência passageira a esta questão na pág. 28, ela não é tratada como a ameaça que efectivamente representa, nem o combate à mesma é tratado como uma prioridade.

 

Publicado a 30 de Abril de 2024

Referências:
https://www.geoparkestrela.pt/associacao/atas

 
 
 

 

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