Revista Zimbro
by Amigos da Serra da Estrela
 

2024-03-05

A nova Lei de Restauro da Natureza

A nova Lei de Restauro da Natureza

 

Palavras chave

legislação  lei  natureza  
 

O Parlamento Europeu (Estrasburgo) decidiu, em sessão de plenário em 27 de Fevereiro, pela aprovação de uma lei que deverá obrigar os Estados-Membros a cumprir com o texto que finalmente foi aprovado. A ideia subjacente à lei já tem mais de dez anos. Há mais de três anos que já tinha uma redacção quase final e andava ‘às voltas na burocracia europeia’, mas finalmente foi aprovada e isso deixa-nos uma grande satisfação, enquanto cidadãos com consciência ambiental. Temos uma Lei do Restauro da Natureza aprovada!

Como poderia, e deveria, ser a floresta, na Serra da Estrela (e como já foi)

Resumidamente, manda essa Lei que os Estados Membros têm de restaurar no mínimo 30% das áreas degradadas até 2030, 60% das mesmas até 2040 e 90% até 2050. Mais especificamente, esta nova Lei define o que se entende por restauro de Natureza, que áreas devem ser objecto de intervenção de restauro e quais os critérios e os problemas existentes e que se prevêem que surjam na aplicação da Lei. O restauro de ecossistemas cobre uma série de actividades, aplicadas isolada ou conjuntamente, com o objectivo de reparar ecossistemas degradados.

A Serra como está agora, sem floresta, com monocultura de pinheiros, prontos para serem consumidos pelo fogo, ou após gerações de abate de árvores e fogos, apenas o matagal impenetrável de urze e giesta cobre algumas encostas onde os intervalos entre fogos é maior.

Estas actividades dividem-se em quatro categorias:

  1. Redução de impactos sociais e ambientais negativos (p. ex. poluição, utilização insustentável de recursos);
  2. Correcção de danos (p. ex. remoção de contaminação, poluição e outros estragos já instalados no ambiente);
  3. Reabilitação das funcionalidades ecossistémicas em áreas muito alteradas, tal com as áreas de cultivo ou urbanizadas;
  4. Restauro ecológico (por vezes banalizado como ‘rewilding’, diz respeito a medidas específicas direcionadas a encaminhar ecossistemas degradados para uma recuperação, com a reintrodução de espécies em falta no ecossistema actual relativamente à situação anterior à degradação, permitindo a sua adaptação às alterações ambientais locais e globais).

Para efeitos de protecção ambiental europeia, os ecossistemas dividem-se em Terrestres, Costeiros/Litorais, Marinhos e Água Doce. As áreas terrestres têm protecção pela ‘Directiva Habitats’ e a sua expressão prática, a ‘RedeNatura 2000’; as áreas húmidas estão abrangidas pelas regras ambientais gerais, para além de terem conjuntos de normas e objectivos específicos para o ambiente marinho e para as áreas húmidas terrestres – existia assim uma exigência de todas as áreas húmidas terrestres (lagos, rios, áreas costeiras e águas subterrâneas) estarem em ‘bom estado de conservação’ até 2015…

No entanto, a Nova Lei, agora aprovada no Parlamento Europeu, vai mais longe: não se limita a considerar as áreas protegidas em regimes anteriores e a impôr prazos e delimitações novas para a protecção dessas áreas; estabelece o regime do restauro de todas as áreas onde o meio natural esteja degradado; estabelece parâmetros para os espaços verdes urbanos, no sentido de manter incrementos das áreas mínimas desses espaços verdes e coberto arbóreo urbano; por fim, estabelece a obrigatoriedade de restaurar e/ou re-humidificar as áreas que foram cultivadas, mas outrora eram áreas pantanosas e turfeiras.

Há ligeiras diferenças nas percentagens de área restaurada, mas, geralmente, e para os quatro ecossistemas referidos, aproximam-se de 30% até 2030, 60% até 2040 e 90, ou 100% até 2050. Fora destas percentagens, ficou a classe das áreas verdes urbanas. Define-se como objectivo não haver redução de área verde até 2030, 3% de aumento até 2040 e 5% de aumento até 2050; em todas as áreas urbanas – cidades e áreas suburbanas e semi-rurais – com referência a 2021.

Sem percentagens ficou também o restauro das zonas húmidas. Indica-se, como objectivo, o restauro de 25.000 quilómetros até 2030; sempre que possível retirar as barreiras físicas ou ecológicas à expansão das áreas húmidas e subsidia obras para retirar a regularização de cursos de água (que foram ‘endireitados’ (regularizados) para aumentar a área agrícola e evitar cheias). Devem ser complementadas com medidas que permitam restabelecer as funções naturais das planícies de inundação, ou seja, a reconexão entre os rios, as águas subterrâneas e as planícies aluviais.

Nas áreas agrícolas e outras áreas não-florestais, há duas componentes em avaliação: passa a haver uma obrigatoriedade na reversão da tendência decrescente na quantidade e diversidade de insectos polinizadores (o chamado ‘índice de densidade de borboletas’) até 2030. A partir daí será avaliado trienalmente, até se atingirem níveis satisfatórios de polinizadores – parâmetros a ser estabelecidos em regras complementares.

Para as áreas florestais são utilizados seis indicadores para avaliar o progresso do restauro ecológico: madeira morta vertical, madeira morta caída, heterometria de espécies e de idades nas florestas, a interligação das florestas com corredores verdes, diversidade de avifauna florestal, finalmente será avaliado o sequestro de carbono em biomassa florestal.

A Lei do Restauro da Natureza apenas exceptua duas situações generalizadas das regras mencionadas, e de outras mais específicas que não foram aqui referidas: a produção de energia renovável, quando não houver localização alternativa e se fizer a compensação ecológica em outro local; a produção agrícola, e apenas quando estiver em risco o consumo interno no espaço da UE, não exceptua a salvaguarda da exportação.

Conhecemos melhor a superfície do planeta Marte do que conhecemos o fundo dos nossos oceanos. Como tal, a imposição de restaurar 90% de um ecossistema quase totalmente desconhecido, não parece ter possibilidade de ser cumprido… A intenção é louvável, mas a sua implementação será de extrema dificuldade. Talvez possa facilitar a transição para aquacultura, em detrimento da pesca por arraste, e bem assim, a protecção de áreas de nidificação de aves e mamíferos marinhos. Toda a protecção é um objectivo a prosseguir, num mundo com mais meios e menos população.

O estado do ambiente, do meio natural e cultivado, os seus problemas e características são bem conhecidos na Europa. Através de inventários e por teledetecção espacial (programas ‘Corine’, ‘Copernicus’, ‘Poseidon’, p. ex.) há um bom conhecimento do coberto vegetal, do estado do tempo e da superfície do mar – tudo em tempo real. Ao contrário dos objectivos para os ecossistemas marinhos, os ecossistemas terrestres são muito bem conhecidos e o seu restauro assenta em critérios bem definidos e recomenda a utilização dos sítios anteriormente classificados (pela ‘Directiva Habitats’ e ‘Directiva das Aves’, RedeNatura 2000 e outras) para complementar mais facilmente os objectivos para 2030. A sua concretização depende apenas da vontade política.

A Serra da Estrela está sob o regime de proteção nacional, abrangida pelo Parque Natural desde 16/Jul-1976. Está inserida na RedeNatura 2000, ou seja, está abrangida pela proteção comunitária (05/Jul-2000). Está também designado como zona húmida de interesse internacional, inscrito na lista da Convenção de Ramsar desde 02/Dez-2005. Esta nova Lei do Restauro da Natureza, como referido, engloba a redução de actividades que causam efeitos negativos sobre áreas degradadas, a limpeza da poluição e resíduos já depositados e a reabilitação e o restauro dessas áreas. Estes objectivos serão de cumprimento obrigatório. À luz destas exigências, para quando teremos uma mudança de paradigma na exploração da Serra da Estrela? Uma mudança que se desvie de um objectivo de turismo de olhos vendados, focalizada na neve como objecto de venda, uma neve cada vez mais ocasional e incerta. Os exploradores deste turismo são cada vez menos, cada vez mais insatisfeitos com a falta de neve e cada vez deixam menos mais-valias às populações locais, mais plástico nas encostas da Serra e um “topo da serra” completamente destruído e abiótico (sem vida). Estranhamos, e lamentamos, que a parte mais alta da Serra, que é também a mais sensível, ser a que sofre mais com a sobre-exploração voluntária – bem no meio de uma área “protegida”.

Também se levanta a questão do restauro ecológico: se é conhecido de forma exacta e inquestionável, a evolução da vegetação na Serra da Estrela e região envolvente, e se sabe que o desaparecimento da vegetação, a floresta de montanha, se deve à sobre-exploração e destruição da floresta pelo Homem, quando é que o restauro ecológico com a plantação de árvores de forma sustentada e coordenada e a recuperação das áreas húmidas se tornam num objectivo mais generalizado nos planos de ordenamento municipais e das áreas protegidas? Todos os vales da Serra, do fundo ao topo, e a maior parte do planalto já foi, em tempos, uma imensa floresta. Quando comecerá a cobrir-se de árvores outra vez?

Quando esta nova legislação for transposta para o ordenamento legal nacional, passaremos a ter uma Lei do Restauro da Natureza com poder legal em Portugal (e logo, na Serra da Estrela e em todas as áreas ecologicamente degradadas). Será ingenuidade ou conhecimento, a dúvida de produzir efeitos práticos no verdadeiro restauro ecológico nas áreas realmente degradadas, na Europa, em Portugal e na Serra da Estrela?

 

Referências Bibliográficas

https://www.europarl.europa.eu/news/en/press-room/20240223IPR18078/nature-restoration-parliament-adopts-law-to-restore-20-of-eu-s-land-and-sea

https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/BRIE/2022/738183/EPRS_BRI(2022)738183_EN.pdf

 
 
 

 

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