Revista Zimbro
by Amigos da Serra da Estrela
 

2024-02-07

Vigilantes da Natureza – O calcanhar de Aquiles do ICNF

Vigilantes da Natureza – O calcanhar de Aquiles do ICNF

 

Palavras chave

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No final da década de 80 do século passado, o então Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza – SNPRCN, o actual ICNF, forma os primeiros Guardas e Vigilantes da Natureza do país, destinados a colmatar uma lacuna que se fazia sentir nas Áreas Protegidas do país. O curso teve lugar em Manteigas, durante algumas semanas.

Posteriormente, a categoria de guarda foi agrupada à de vigilante, uma vez que, na prática, as funções eram exactamente as mesmas.

Podemos dizer, sem grande margem de erro, que os vigilantes da Natureza serão os únicos funcionários do ICNF que receberam formação específica para a função que exercem, no âmbito das Áreas Protegidas – Parque Nacional, Parques Naturais, Reservas Naturais e Áreas de Paisagem Protegida. 

Tratava-se de gente nova, a maior parte, a viver a primeira experiência profissional, imbuídos de uma vontade e sensibilidade capazes de querer mudar o mundo – era este espírito de escuteiro do ambiente que se vivia durante as semanas do curso, distante das realidades de uma carreira profissional que iria, necessariamente, desafiá-los.

Não tiveram uma vida fácil e viram goradas muitas promessas. O descrédito levou mesmo alguns ao abandono da carreira e a procurar futuro noutros lugares, alguns em organismos diferentes, acreditando que seria melhor do que manterem-se em contacto com uma realidade que não era aquela com que haviam sonhado.

O que se passou, no fundo, foi o culminar de um processo mal estruturado, que não teve na sua origem alguém que pensasse na carreira como uma estrutura orgânica que tinha de ter quem soubesse integrar os vigilantes e os instruísse nas suas funções. Não pode correr bem, de maneira alguma, ter um conjunto de profissionais, formados especificamente para cumprir uma determinada missão e ser orientados por quadros, sem qualquer formação para lidar com tais profissionais, salvo se forem Quadros Superiores da Administração Pública!

Não será desmedido afirmar que estariam – ou estarão, a ser mandados por pessoas com menos conhecimentos que os próprios, justamente porque uns sabem para o que vieram, enquanto os que os tutelam, pelo facto de terem um qualquer currículo associado ao Ensino Superior, viram-se compelidos a ter de lidar com esta realidade.

Os vigilantes da natureza, foram ao longo dos anos muito mal tratados pela tutela. É raro haver um corpo profissional que se tenha manifestado. Foi, de facto, uma questão de missão, prazer pelas causas da conservação, o que terá motivado a permanência destes profissionais ao serviço do ICNF. Efectivamente, os anos pesam, a família aumenta e o risco de procurar novos horizontes diminui.

Momentos houve em que senti ameaçada a carreira de vigilante. Foi a persistência e o saber dos seus responsáveis que, a par com as inúmeras dificuldades, os levou a encetar contactos com movimentos internacionais, destacando, neste contexto, a International Ranger Federation – IRF. Com efeito, a entrada dos Rangers no panorama português, através do saudoso Gordon Miller, um dos fundadores da IRF, bem como o ingresso dos vigilantes portugueses, nos conclaves internacionais da IRF, deu-lhes credibilidade e respeito, que surtiram efeitos em pretensões que não terão passado de um pequeno ruído.

Hoje em dia, os vigilantes já não são os “escuteiros” da década de 80. Estarão com a experiência acumulada dos anos de trabalho, da troca de conhecimentos com outros profissionais, com os casos que se foram deparando e respectivos debates e discussões. Estão mais ricos profissionalmente e o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas só tem de regozijar-se por isso.

No dia 31 de Julho celebra-se o Dia Mundial dos Vigilantes da Natureza, uma data que, através destes profissionais, simboliza a salvaguarda do Património Natural do nosso Planeta.

De acordo com Mike Appleton, da União Internacional para a Conservação da Natureza – UICN, os vigilantes da natureza “desempenham um papel crítico no combate às duas crises de perda de biodiversidade e de clima.” Na mesma linha de pensamento, apresento o meu ponto de vista pessoal, de alguém que esteve na origem da carreira, já com muitos mais anos de experiência profissional noutras áreas de actividade, e cedo adivinhei tal desfecho, tendo aproveitado diversas oportunidades para o alertar.

É com orgulho e satisfação que constato que ter havido pessoas mais novas, que souberam evoluir e impor-se perante a indiferença da tutela. Souberam, até, contrariá-la quando atraiu outras forças para cumprir as tarefas dos profissionais ao seu serviço, um erro de palmatória de quem não teve consciência das consequências que tal medida causaria na imagem do próprio organismo.

É insensato que a estrutura dos vigilantes da natureza se mantenha nos moldes em que foi criada e não tenha evoluído no sentido da garantir uma maior e melhor eficácia face às ameaças que se verificam nas Áreas Protegidas. Não se pode esperar mais. O ICNF só terá a ganhar se dotar o corpo de vigilantes da correspondente e necessária orgânica própria, com profissionais da área, da base ao topo, na dependência directa do Presidente do ICNF e dos Directores das respectivas Áreas Protegidas.

É tempo dos vigilantes ganharem novo ímpeto e começarem a caminhar para o que verdadeiramente faz sentido na sua profissão – serem autênticos agentes de conservação!

 
 
 

 

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