2024-02-07
Palavras chave
fauna sacarabosHerpestes ichneumon, mangusto, ou saca-rabos, é uma das poucas espécies de mamíferos carnívoros que se encontra em terras lusitanas. Na península, apresenta um ligeiro dimorfismo sexual, onde os machos são mais pesados e compridos do que as fêmeas (98,53 cm e 2,417kg nos machos e 95,50 cm e 2,145kg nas fêmeas), mas ambos os sexos se apresentam cobertos de uma pelagem espessa de cor castanho-acinzentada que termina numa cauda já por si peluda de onde sai um tufo ainda mais volumoso. O animal fusiforme adquire o nome peculiar de “sacarrabos” devido ao comportamento das fêmeas, que instruem as suas ninhadas a viajar em fila indiana com a ponta do focinho de um filhote a tocar na cauda do que está à sua frente.
É ótimo a camuflar-se nos ambientes onde vive, nomeadamente em África, no sudoeste asiático e no sul da Turquia. Já no continente europeu só se distribuí pela Península-ibérica, um território cujas temperaturas cada vez mais quentes associadas às alterações pluviométricas empurram para desertificação. No século XIX, a área ibérica que o sacarrabos ocupava era mais extensa, chegando até às Astúrias mas nunca passando os Pireneus, provavelmente devido às temperaturas implacáveis. Nunca tendo avançado até outras regiões europeias, as alterações atuais do meio ambiente tornam a dispersão do animal uma discussão em aberto.
Durante muito tempo, os zooarqueólogos acreditavam que tinham sido os povos árabes a trazer o sacarrabos para a Europa, numa das suas conquistas e provavelmente como animal semi-doméstico de controlo de roedores e répteis, como é tradicionalmente usado no norte de África. Em 2011, análises genéticas de indivíduos ibéricos revelaram um grande nível de isolamento genético que é característico de uma presença longa no território. Desta forma, a hipótese sugerida pelos investigadores foi a de que o mangusto terá chegado ao continente de forma natural, após atravessar o Estreito de Gibraltar com a ajuda das flutuações do nível do mar características do Pleistoceno Superior. A origem do sacarrabos tornou-se, assim, discutível.
Quando em 2018 uma nova teoria para o aparecimento do saca-rabos foi erguida, as dúvidas dos ecologistas só aumentaram. Fósseis da espécie foram encontrados durante as expedições arqueológicas feitas na gruta da Pedra Furada, em Vila Franca de Xira, e numa gruta cerimonial da antiga capital do império romano, Emerita Augusta (atual cidade de Mérida, Espanha). A datação das amostras sugere que o sacarrabos já cá estava 8 séculos antes da ocupação árabe, ou seja, este animal terá chegado ao Algarve antes das próprias laranjas. Na revista “Mammal Biology”, publicada em 2021, os investigadores portugueses Tânia Barros, Carlos Fonseca e Eduardo Ferreira, da Universidade de Aveiro, admitiram haver “espaço para questionar a natureza exótica da espécie na Península Ibérica”, mas ainda são necessários mais dados para poder dar certezas.
Fotografias: Representações históricas do saca-rabos, as duas primeiras egípcias e a última romana. Um animal considerado uma divindade pela sua capacidade de lutar com cobras, e, alegadamente, dragões.
Até certo ponto, o sacarrabos beneficia da substituição da cobertura florestal por espécies arbustivas de crescimento rápido que criam os chamados “maquis mediterrâneos”. É nestes densos matos de estevas (Cistus sp.), giestas (Cytisus scoparius), silvas (Rubus ulmifolius) e urzes (Calluna vulgaris), mas também de medronheiros (Arbutus unedo) e azinheiras (Quercus rotundifolia) que vive o animal. Talvez estas preferências ecológicas sejam uma das razões pela qual a espécie está em expansão na Serra da Estrela, sendo cada vez mais comum ouvir-se falar em avistamentos no território.
Estudos recentes dizem que esta espécie generalista apresenta uma dieta composta principalmente por pequenos mamíferos (63%) como o coelho-bravo, mas também por répteis (16%), como a lagartixa-do-mato-ibérica, e por anfíbios (8%), como a rã-de-focinho-pontiagudo. Como ficou comprovado, a espécie alimenta-se de muitos animais diferentes, em diferentes estados de conservação, mas estes 3 foram aqui escolhidos como exemplo por estarem ameaçados em território lusitânico. O impacto da predação do sacarrabos nos ecossistemas que habita está dependente do número populacional, quer das presas quer do predador, mas também da própria resiliência do meio ambiente.
Sem que se saiba ao certo como veio cá parar, sabemos que o sacarrabos estava em populações estáveis e em equilíbrio com os ecossistemas do sul de Portugal até há 30 anos atrás. Atualmente, é cada vez mais visto nas paisagens do centro e norte do país, estando em expansão em igual direção na vizinha Espanha. Será que o norte está mais quente, ou é o bicho que está mais resiliente e adaptado? Talvez uma mistura dos dois. Teremos de aguardar pelas respostas da ciência. Por agora, é necessário que a expansão da espécie seja atentamente monitorizada, em resposta às consequências ambientais que mais um carnívoro traria às paisagens do norte e centro montanhoso de Portugal, palco de disparidades brutas entre estações, incêndios florestais, e outros carnívoros introduzidos, como o visão-americano (Neovison vison), que destabilizam o ecossistema.
Será o PNSE capaz de assegurar o equilíbrio de mais uma espécie carnívora sem predadores naturais que regulem os números populacionais do sacarrabos?
O futuro dirá, e os dados contar-nos-ão.
Bibliografia:
Detry C, Cardoso JL, Heras Mora J, Bustamante-Álvarez M, Silva AM, Pimenta J, Fernandes I, Fernandes C. Did the Romans introduce the Egyptian mongoose (Herpestes ichneumon) into the Iberian Peninsula? Naturwissenschaften. 2018 Oct 11;105(11-12):63. doi: 10.1007/s00114-018-1586-5
Barros, T., Fonseca, C. & Ferreira, E. On the origin of the Egyptian mongoose in the Iberian Peninsula: is there room for reasonable doubt?. Mamm Biol 101, 843–850 (2021). https://doi.org/10.1007/s42991-021-00117-2
Barros, T., Gaubert, P., Rocha, R.G. et al. Mitochondrial demographic history of the Egyptian mongoose (Herpestes ichneumon), an expanding carnivore in the Iberian Peninsula. Mamm Biol 81, 176–184 (2016). https://doi.org/10.1016/j.mambio.2015.09.003
Descalzo, Esther & Francisco, Díaz-Ruiz & Delibes-Mateos, Miguel & Salgado, Iván & Martínez-Jauregui, María & Soliño, Mario & Jimenez, Jose & Linares Escudero, Olmo & Ferreras, Pablo. (2021). Update of the Egyptian mongoose (Herpestes ichneumon) distribution in Spain. Galemys, Spanish Journal of Mammalogy. 33. 1-10. 10.7325/Galemys.2021.A4.
http://especiescinegeticas.pt/publicacoes/artigos/download/25/92/47?method=view
https://www.inaturalist.org/observations/109569276
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Coffin_of_an_Ichneumon_LACMA_M.82.78.2.jpg
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Egyptian_mongoose-IMG_6340.jpg
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