Revista Zimbro
by Amigos da Serra da Estrela
 

2024-02-07

A Serra da Estrela

A Serra da Estrela

 

Palavras chave

estrela  fauna  
 

A primeira vez que fui à Serra da Estrela foi em 1972. Eu tinha-me fixado na Dinamarca, vim de férias para visitar os meus pais e quis mostrar à minha esposa que em Portugal havia montanhas, coisa que ela nunca tinha visto. A maior altitude na Dinamarca é 172 m! 55 m menos que a Serra de Monsanto! E ela lá subiu a serra, de carro, um pouco a medo. Nesse ano, quando lá estivemos, em Julho, ainda havia muita neve entre o Cântaro Magro e a Torre. Ficámos encantados, até o meu filho, Siggi, que só tinha dois anos, e voltámos lá em 1978. Nessa altura já o Siggi tinha 8 anos. Quando chegámos ao pé da Cântaro Magro parámos e ele saiu do carro e comeҫou a correr por ali. Pouco depois chegou ao pé de mim e disse-me: “−Pai, por que é que eu fico tão cansado?” 

Esta visita já não foi encantadora, como a primeira. Os portugueses tinham experimentado a “liberdade”  três anos antes e tinham transformado a área da Torre numa espécie de Feira da Ladra. Havia barracas a vender de tudo e a malta entretinha-se a deslizar pela neve, não em trenós de madeira, mas em cima de sacos de plástico, que eram deixados a ser levados pelo vento quando já não precisavam deles. É a liberdade irresponsável, e muita gente, infelizmente, não conhece outra. Vi gente a encher baldes com neve para levar para casa! 

Fiquei tão decepcionado, que não quis voltar mais à Torre. E, se o fiz trinta anos depois, foi porque o meu filho continuou a amar a Serra. Depois de acabar o curso do liceu em 1988, quis ir a Portugal para tirar o curso de Geografia Física e Planeamento Regional na Universidade de Lisboa, e por lá ficou. Quando teve ensejo de ter trabalho na Serra, mudou-se para lá e lá continua, muito interessado no estado e na conservaҫão e regeneraҫão da natureza da Serra. Infelizmente não é compreendido nem apoiado por quem tem o dever de o fazer. 

Em 1976 foi declarada Parque Natural da Serra da Estrela. Como todas as coisas que são declaradas interessantes e valiosas, toda a gente as quere ver. Tornam-se assim, monumentos ou regiões “turísticos”, que não são protegidos, mas explorados, tornam-se uma fonte de  receita. Assim sucede por toda parte, em Portugal, por exemplo, com o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém. Eu visitei a Torre de Belém antes de ser Património Mundial. Não estava lá quase ninguém. Subi à torre com a minha família, de graҫa, admirei as velhas arcas nas salas e gozei a vista do topo da torre. Se lá quiser ir hoje, tenho de estar em bicha para pagar 6 €, e as salas estão todas vazias, senão a multidão destruiria tudo o que lá estivesse. Para já não falar no desgaste que a torre sofre com os milhares e milhares de visitantes. 

No Parque Nacional da Peneda-Gerês vi uma família com uma cobra que haviam matado. Para muita gente todas as cobras são venenosas e não vão elas agora ser um perigo para os visitantes da natureza. Para a maior parte das pessoas um parque natural é uma região “turística”, que se visita para recreaҫão, para passar um domingo de verão. Não lhes interessa que bichos há ali e se virem alguns, matam-se.

Falta às pessoas, não só em Portugal, muita cultura do ambiente, compreensão da natureza e respeito pelos seres vivos. Se um cão morder uma pessoa, é abatido; se uma pessoa der um pontapé num cão, não lhe acontece nada, “o homem lá teria as suas razões”. Aqui, na Dinamarca, onde vivo, os lobos reapareceram há poucos anos após duzentos anos de ausência, por terem sido exterminados pelo homem. Um indivíduo, que odeia lobos, matou um a tiro, quando o animal vageava calmamente numa clareira. Um outro indivíduo, que ficou revoltado com o sucedido, ameaҫou o outro, ficando no entanto só por aí. Pois bem: o assassino do lobo foi isento de pena. O outro, que ameaҫou o assassino, foi condenado, não me lembro já a quê, se a multa ou se a prisão. Isto é, uma pessoa, por mais reles que seja, é tida por valer muito mais do que qualquer outro ser vivo, por mais nobre e raro que seja. Se um animal selvagem estiver muito doente ou a morrer de fome, deixa-se morrer – não podemos intervir na natureza, que tem de seguir o seu curso. Se for uma pessoa, faz-se tudo o que é possível, custe o que custar. Já todos ouviram falar nos “médicos sem fronteiras”; eu nunca ouvi falar nos “veterinários sem fronteiras”. É por isso que a fauna selvagem dimimuiu em média 70 % nos últimos cinquenta anos, enquanto a populaҫão mundial duplicou (aumentou 100 %) no mesmo período. Há espécies animais cujas populaҫões estão reduzidas a 5% do que eram, e muitas outras foram completamente exterminadas. As áreas florestais estão reduzidas a metade. Pobres dos animais que vivem nas florestas!   

A riqueza de um país não se deve medir só pelo produto nacional bruto. Mede-se, sim, pela natureza que tem e pelos cuidados que tem com ela. Mede-se pela riqueza da sua flora e da sua fauna.

A Serra da Estrela é uma região muito especial do nosso país. Pela sua altitude, pelas suas condiҫões climáticas e, devido a isso, pela sua flora e pela sua fauna. Há muitas plantas e animais que, em Portugal, só vivem aí na Serra, e algumas são endémicas, isto é, não existem em mais parte nenhuma. Por isso devemos, quando andamos pela Serra, admirar as suas belas paisagens, as suas plantas, as suas flores, os bichos que nos aparecem, mas não pisemos descuidadamente as plantas nem cortemos as florzinhas por onde passamos, e deixemos os bichos que cruzam o nosso caminho ir à sua vida. A Serra também é deles e têem todo o direito de lá estar. Sejam borboletas, sejam cobras. Na Serra só há uma cobra venenosa, que poderá morder, se a quisermos agarrar ou se a formos pisar, senão foge. É provável que não vejamos nenhuma, mas, se virmos alguma, deixemo-la em paz. Faҫamos como às meninas: Ver, mas não mexer!

A Serra da Estrela, como toda a Natureza, merece e precisa do nosso respeito e da nossa ajuda. Condenemos os vândalos e os pirómanos. Estes são os únicos membros da fauna da Serra que devem ser exterminados.

 
 
 

 

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