Revista Zimbro
by Amigos da Serra da Estrela
 
Ecobotânico
Radboud Universiteit

2023-11-01

Queremo-nos conectar ou queimar?

Queremo-nos conectar ou queimar?

 

Palavras chave

estrela  natureza  sustentabilidade  
 

Recentemente, fui convidado pelos editores para escrever algo sobre o que me é caro na Serra da Estrela. O que quero realmente dizer às pessoas da Estrela?

Quando penso nisso, na verdade quero mostrar que existem possibilidades para o futuro.

Para começar, deve haver a compreensão de que as decisões são tomadas pelos políticos e que os eleitores estão nas cidades, e não localmente. Ou seja, a decisão é tomada nas cidades. A grande maioria das pessoas vive em áreas urbanas e é precisamente a essas pessoas que precisamos de apelar pela sua empatia.

Também é importante compreender que a “conexão com a natureza” é essencial numa vida humana completa. Essa perda isola e aliena e torna-nos insalubres e, a longo prazo, torna-nos doentes ou reduz-nos a robôs. Tudo isso é claramente comprovado por psicólogos e neurologistas. A alienação aumenta cada vez mais e as pessoas estão agarradas ao consumismo, ao Netflix, etc. Mas não se pode continuar assim durante gerações num mundo cada vez menor, com uma população crescente, com morte de plantas e animais, poluição, envenenamento, produtos químicos, etc. Poderemos continuar durante décadas com estes grandes incêndios que destroem os solos e a natureza, fazendo com que apenas os pinheiros e algumas espécies comuns altamente adaptadas queiram crescer, enquanto todos os outros organismos eventualmente desapareçam? E o perigo que os moradores do interior enfrentam? Onde está a humanidade? Onde está a felicidade despreocupada de ouvir um melro cantando, uma borboleta esvoaçante, uma paisagem cheia de vida? Deveremos vivenciar isso apenas em documentários de TV ou em jogos de computador?

Temos que perceber que uma escolha teve de ser feita no final do século XIX e no início do século XX porque a economia não ia bem. A revolução industrial na Europa iniciou a migração para as cidades e eram necessários mais alimentos. A Revolução Industrial tornou-se possível graças à tecnologia e a tecnologia possibilitou a produção de fertilizantes químicos para a agricultura e também o plantio de árvores em grande escala em locais que não produziam muito, mas que nunca haviam sido poluídos quimicamente. Afinal, a agricultura era tradicionalmente agricultura orgânica. Houve também muita concorrência com o sistema agro-pastoril dos territórios ultramarinos. Mas nunca esqueçamos que todo o sistema funcionava com energia e nutrientes locais, sem produtos químicos. Então era um sistema extremamente sustentável.

Temos que perceber que nos Países Baixos apenas uma parte muito pequena do sector optou pela silvicultura industrial e uma parte muito grande optou pela agricultura industrial(?), enquanto que na Estrela, a escolha foi sobretudo a silvicultura industrial e só depois da guerra começou realmente a florestação. Em ambos os casos, isto levou à destruição da natureza, tanto nos Países Baixos como na Estrela.

Depois, quando as árvores eram maiores, ocorreram os primeiros incêndios nos anos 70 que se repetiram uma e outra vez.  No entanto, as pessoas continuaram a insistir  em plantar Pinus e os sistemas agrícolas tradicionais foram deslocados embora fossem sistemas bastante sustentáveis, e que não esgotaram completamente o solo. Alem disso não causam incêndios florestais e mantem a cultura. Uma cultura ruralque hoje se torna cada vez mais popular e é mais apreciada pelos moradores das cidades, contrariamente à década de 60 a pobreza do campo “deixado para trás” e “atrasado” era ainda visto com maus olhos. Agora, esses mesmos citadinos, não gostam de vir às zonas naturais quando as mesmas estão queimadas.

Que hoje em dia a biodiversidade e a sustentabilidade têm prioridade na Europa e que o esqui alpino está ultrapassado e antiquado tal como a caça: velhos hábitos que não fazem bem à natureza e que, portanto, por assim dizer, o sistema agro-pastoril tradicional está agora na liderança em certo sentido, a silvicultura industrial e o turismo de esqui estão ultrapassados.

Que os danos causados ​​pela silvicultura industrial são extremamente elevados. Que a produção de madeira rende muito para poucos, mas que os moradores ficam sem nada.

Folgosinho 2017

Consequências em 2018 após o incêndio de Folgosinho 2017 (fotografia de capa)

Que devemos portanto responder mais à sustentabilidade e à beleza da Estrela. Em termos de beleza, vale a pena celebrar que a floresta de faias fica tão linda no outono. Mas em termos de biodiversidade não é especial e devemos estar atentos a isso sem diminuir a beleza das cores outonais. A faia não é nativa mas é plantada, embora possamos admirar o trabalho árduo dos silvicultores que plantaram as faias e por isso também nos deram as belas cores do outono. Mas também podemos orgulhar-nos da vegetação original: carvalhos, teixos, bétulas, amieiros, etc. Mas também o mosaico, a riqueza de biótopos produzidos pela agricultura agro-pastoril, o sistema infield-outfield*). Os campos exteriores são de grande importância, tal como o nosso interior. Se o exterior consistir em bairros de concreto e monótonos nas cidades, ou em grandes solos quebrados e  encostas no campo enegrecidas, isso afetará o nosso interior e nos tornaremos sombrios e deprimidos no longo prazo. Os neurologistas descobriram recentemente que o ambiente externo é tão importante para o nosso bem-estar quanto o nosso interior!

É por isso que faço este apelo para regressar ao sistema infield-outfield à escala local e restaurar os ciclos, restaurar o equilíbrio para que a sustentabilidade e a biodiversidade prevaleçam numa paisagem feliz, uma paisagem saudável onde os moradores urbanos stressados ​​possam recuperar o fôlego e a experiência da riqueza do nosso mundo.

Fênix ou Ícaro?

Dois mitos antigos  sobre o fogo, um é sobre a Fênix reaparecendo de suas cinzas após o incêndio, o outro é sobre o arrogante Ícaro que queimou suas asas porque ele colocou suas ambições muito altas. Irá a Estrela renascer e restaurar a sua paisagem pastoril e controlar a acumulação de biomassa através do pastoreio e transformar terrenos abandonados em matos rasos pastoreados intercalados com terrenos agrícolas e carvalhos e castanheiros autóctones menos inflamáveis, ou a região pretenderá ambiciosamente replantar o pinheiro leve e inflamável ? Irá a região optar por Fenix, ou seja, a reconstrução da biodiversidade a partir das ruínas, ou seja, a vegetação autóctone (clímax florestal) e o uso agro-pastoril inteligente da terra, ou a região optará por Ícaro, ou seja, o orgulho de não ouvir a natureza e continuar a arruinar a natureza e lucrar com a rápida produção de madeira que, mesmo queimada, gera dinheiro suficiente para a indústria de processamento.

Na realidade, claro, é muito mais complicado porque há muitos interesses envolvidos. Gostaria de tentar chamar a atenção para o facto de fenómenos como a ligação à natureza e a sustentabilidade psicológica interna desempenharem um papel que nem sempre é pensado, mas que poderá ser de grande importância para a saúde dos cidadãos urbanos no futuro.

*Sistema dentro-campo-exterior (infield-outfield) – a agricultura dentro-campo-exterior (infield-outfield) faz uso da terra em aproximadamente dois níveis diferentes de intensidade, com um campo interno intensamente cultivado (culturas) e um campo externo (matos como charnecas e outros, pântanos, pastagens pobres) explorados em baixa intensidade e de onde os nutrientes são transferidos para o campo interno (principalmente por animais por exemplo, ovelhas e cabras).

Ilustração de Ed Hazebroek baseada em desenhos de Oscar Knoblich e Jan Jansen, 2002

Ilustração de Ed Hazebroek baseada em desenhos de Oscar Knoblich e Jan Jansen, 2002

 
 
 

 

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