Revista Zimbro
by Amigos da Serra da Estrela
 
Veredas da Estrela

2023-11-01

Pelas Veredas da Estrela

Pelas Veredas da Estrela

 

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trilhos  veredas  
 

Poucos dias depois do incêndio de agosto de 2022 no Parque Natural da Serra da Estrela, começou a nascer uma nova associação comunitária nas aldeias de Figueiró e Freixo da Serra, no concelho de Gouveia. A “Veredas da Estrela” tem como objetivo regenerar os ecossistemas afetados por dois fogos num espaço de cinco anos, prevenir futuros incêndios, apoiar a pastorícia tradicional, e criar espaços de partilha e convívio para as comunidades destas duas aldeias – e para quem se quiser juntar a elas. Pouco mais que um ano depois do incêndio os passos dados já são muitos – e com eles cresceram também os planos para o futuro.

Foi a 19 de agosto de 2022, pouco mais que uma semana depois do incêndio – que devastou 25% do Parque Natural da Serra da Estrela e metade da nossa freguesia – que nos juntámos pela primeira vez para discutir medidas e ideias para o futuro. Cerca de quarenta pessoas participaram nesta primeira reunião, à qual seguiram umas tantas outras – conversas, partilhas e trocas de ideias fundamentais para construir as bases de uma associação que se entende como comunitária. Regenerar ecossistemas, prevenir incêndios, manter as comunidades vivas, apoiar a atividade agro-silva-pastoril tradicional. Os quatro objetivos da Veredas da Estrela nasceram destes encontros – e de uma consciência prévia de que enquanto comunidades vivemos em interdependência com o ambiente e os ecossistemas nos quais nos inserimos.

Nos meses a seguir, começámos a limpar e replantar, a manter veredas antigas transitáveis e a criar um percurso pedestre oficial, em parceria com o Município de Gouveia, que esperamos inaugurar ainda no ano de 2023. Arrancámos o longo combate às plantas invasoras, limpámos terrenos ardidos, semeámos e ceifámos centenico, e já demos início a outro ciclo com uma variedade antiga de centeio. Visitámos outros projetos, encontrámos parceiros, começámos a trabalhar com a lã das ovelhas locais em parceria com o Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior. Angariámos fundos num crowdfunding, divulgámos o nosso trabalho nos media e em eventos. Acabámos de comprar um soito ardido e recolhemos bolotas e castanhas para começar a recuperar este espaço. Crescemos dos cerca de quarenta sócios fundadores para uma centena. Continuamos a conversar, a trocar ideias, criar visões para o futuro deste e de outros espaços.

O “soito do futuro” é um elemento central deste trabalho num local sem baldio – um bosque que ardeu duas vezes e onde o potencial de regeneração é, já hoje, visível e palpável. Inserido num vale virado a norte, oferece condições ideais para uma árvore cada vez mais afetada por doenças, stress hídrico e pelo abandono das práticas de cultivo extensivo que marcaram a Serra durante séculos. Os soitos eram, nessa altura, o refúgio dos ecossistemas associados aos bosques de carvalhos originais da Serra[1]. Regenerar este espaço significa também criar novos equilíbrios entre a conservação de um ecossistema diverso que vai além da plantação de castanheiros em monocultura, e uma utilização suave deste mesmo espaço pela comunidade – equilíbrios que esperamos que possam ser um modelo para o futuro, não só das nossas aldeias. Por isso, queremos também continuar a angariar fundos que nos permitam juntar mais áreas a este soito do futuro.

À criação de zonas de proteção – que possam proteger melhor as aldeias, mas também esse e outros espaços florestais em fase de recuperação – alia-se a preservação de variedades rústicas de centenico e centeio. É raro o exemplo de uma ação que serve só um dos objetivos da associação. Não queremos apenas limpar áreas críticas em torno das aldeias, mas também semear e preservar variedades antigas. Não preservamos apenas as variedades de genética ancestral, mas também a tradição da ceifa manual, criando momentos de convívio e de partilha de memórias, viradas para o futuro.

No entanto, abrir veredas para o futuro não é apenas uma expressão metafórica, mas também uma ação concreta no território. O lugar das Regadas no Freixo da Serra foi ponto de partida para um percurso pedestre de 15 km, criado em parceria com o Município de Gouveia, que irá ligar as duas aldeias, em grande parte, por veredas (caminhos estreitos, criados e utilizados pelo ser humano e/ou pela vida selvagem) antigas e passar por vários cursos de água. Queremos atrair quem venha com tempo para conhecer este território à velocidade de quem percorria as veredas antigamente, e quem procure saber mais sobre o passado e presente que marcam esta paisagem.

Um presente que ainda mantém – sorte a nossa – a atividade pastoril tradicional viva. Nas sementeiras de centeio e na oficina da lã demos os primeiros passos para dar mais apoio a quem se dedica a ela. São passos ainda muito pequenos, mas queremos chegar mais longe.

Enquanto as ideias e visões têm apenas o limite do fazível num trabalho baseado puramente no voluntariado, geograficamente a Veredas da Estrela limita as suas ações às nossas duas aldeias no norte da Serra da Estrela – um espaço pequeno, tendo em conta as vastas áreas afetadas pelo incêndio do ano passado. Mas estamos convencidos de que este ecossistema sustenta não apenas a nossa existência, e de que é num trabalho ancorado no território, na especificidade do local e na própria comunidade que cria redes e parcerias com outros, que podemos encontrar soluções para questões e desafios que têm, muitas vezes, dimensões regionais ou até globais.

[1] Jan Jansen, Managing Natura 2000 in a changing world – The case of the Serra da Estrela (Portugal), 2010, Radboud University Nijmegen, p. 145

 
 
 

 

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